Netinho (Pedro Silveira Neto, Simão Dias SE, 1921-1994), como os outros heróis de nossa história, começou ainda criança tocando em bandas de música. Iniciou a carreira profissional em Salvador e em 1956 veio para o Rio, onde atuou em muitas orquestras e na famosa Bandinha de Altamiro Carrilho. Posso testemunhar que a liderança de Netinho no naipe de sax era algo totalmente natural, fluente. Ele tocava regendo o naipe e todos iam juntos. Netinho era muito orgulhoso de sua boa técnica e seu “Chorinho de Tula” é um desafio para qualquer executante.
Leo Gandelman
Músico
Este é um disco rigorosamente original, trata-se de uma seleção de 14 chorinhos, alguns deles puras obras-primas do gênero, executadas em ritmo de escola de samba, isto é, em uma “cozinha rítmica” estão instrumentos usualmente empregados nas escolas de samba.
Pode ser que alguns puristas torçam os narizes no momento em que ouvirem o maravilhoso e já centenário gênero musical carioca com uma sustentação rítmica de samba. Pode até alguém não gostar. Mas que é muito agradável de ser ouvido, isso lá também é. Até porque, a atmosfera (ou seja o clima “chorado” de que falam os definidores do gênero musical estruturado pelo gênio do flautista Joaquim Callado) está preservado. Aliás, quem preserva melhor a atmosfera de qualquer produção musical do que um grande solista?
O caso, precisamente, deste “CHORINHO, CUÍCA E TAMBORIM”, que tem como astro um dos mais talentosos músicos do Brasil: o clarinetista e saxofonista NETINHO. Por sinal, é muito animador quando a gente ouve um disco, feito no Brasil, que dá a um músico não apenas liberdade de escolha de repertório, mas sobretudo, as honras do crédito principal da capa. Isto sempre foi raro nesse País, que nunca prestigiou, como deveria, seus melhores músicos. Poucos instrumentistas brasileiros, na verdade, conseguem gravar elepês. Até, por isso, portanto, este disco é importante: ele afirma, prestigia e consome o talento individual de um dos grandes e sofridos (como todos) músicos no Brasil. O próprio Netinho, por exemplo, só conseguiu gravar dois LPs individuais, em toda sua carreira de 40 anos de músico.
O sergipano (de Simão Dias) Pedro Silveira Neto (NETINHO) filho do mestre de banda Zeca Laranjeira. Mas não foi o pai que lhe ensinou música; NETINHO aprendeu por si só, menino de calças curtas ainda (tal como Pixinguinha trinta anos antes); já com doze anos, o jovem sergipano espantava toda sua cidadezinha: ele tocava – e muito bem – todas as peças do repertório das bandinhas interioranas. Está claro que o talento do rapaz levou-o ao centro cultural que catalisava todos os artistas da região: a cidade de Salvador, na Bahia. Aí NETINHO estreou profissionalmente, organizando uma orquestra de nome ainda hoje afamado na cidade: “Netinho e sua banda”, que se tornou legendária em toda a Bahia através de apresentações na Rádio Excelsior e no Cassino Tabariz, em Salvador.
Chegando ao Rio em 1955, Netinho foi logo contratado pelo Dancing Avenida, que, na época, pagava os mais altos salários a que qualquer músico carioca podia aspirar. E daí para as emissoras de rádio e para os estúdios de gravação foi um pulo.
A verdade é que toda a vida profissional de Netinho é exemplar em talento: ele atingiu a um tal estágio de virtuosismo e de técnica que é frequentemente chamado para executar peças eruditas, além de ser hoje o primeiro clarinetista da orquestra da Rede Globo de Televisão, onde trabalham alguns dos melhores músicos do Brasil.
Neste disco, Netinho exibe toda a sua categoria de solista de clarinete, sax alto, sax tenor e sax soprano. A sonoridade extraída de seus quatro instrumentos é de incrível beleza e maciez; beleza e maciez a que não deixam de comparecer sutis influências de músicos da estirpe de Luiz Americano, Artie Shaw e Benny Goodman.
O repertório, carinhosamente escolhido por Jorge santos (que comprova, com este trabalho, sua capacitação e competência) é também dos mais estimulantes: há um Pixinguinha (com letra recém colocada por Daniel Santos), dois K-chimbinho e ainda números individuais de festejados autores do choro como Jacob do Bandolim, Lina Pesce, Louro (com a famosa adaptação do tema “Urubu”, do folclore de Campos-RJ) e de seu ilustre co-estaduano Luiz Americano. Mas há também ótimos choros feitos por gente que é historicamente estranha ao gênero como Nelson Cavaquinho, Toquinho-Vinícius, Candeia e até Sivuca (com um choro delicioso em homenagem à Velha Guarda).
A discrição do próprio Netinho e do seu produtor Jorge Santos fê-los incluir como autores em apenas dois momentos: o “Chorinho da Tula” (dedicado à cadela pequinês do Netinho) e o “Discotecando” (uma lembrança das discotecas das emissoras de rádio, elemento essencial de divulgação para qualquer produtor de discos).
Em tempo: este disco deve estar saindo simultâneamente à realização, no Rio, do II Encontro de Pesquisadores de Música Popular Brasileira. Por isso, lembra o meu amigo Pedro Cruz, que seria oportuno dedicá-lo a todos os colecionadores de discos que estão participando do “Encontro”. Nada mais justo.
[Texto do encarte do LP "Chorinho, Cuíca e Tamborim" (1977)]
Pode ser que alguns puristas torçam os narizes no momento em que ouvirem o maravilhoso e já centenário gênero musical carioca com uma sustentação rítmica de samba. Pode até alguém não gostar. Mas que é muito agradável de ser ouvido, isso lá também é. Até porque, a atmosfera (ou seja o clima “chorado” de que falam os definidores do gênero musical estruturado pelo gênio do flautista Joaquim Callado) está preservado. Aliás, quem preserva melhor a atmosfera de qualquer produção musical do que um grande solista?
O caso, precisamente, deste “CHORINHO, CUÍCA E TAMBORIM”, que tem como astro um dos mais talentosos músicos do Brasil: o clarinetista e saxofonista NETINHO. Por sinal, é muito animador quando a gente ouve um disco, feito no Brasil, que dá a um músico não apenas liberdade de escolha de repertório, mas sobretudo, as honras do crédito principal da capa. Isto sempre foi raro nesse País, que nunca prestigiou, como deveria, seus melhores músicos. Poucos instrumentistas brasileiros, na verdade, conseguem gravar elepês. Até, por isso, portanto, este disco é importante: ele afirma, prestigia e consome o talento individual de um dos grandes e sofridos (como todos) músicos no Brasil. O próprio Netinho, por exemplo, só conseguiu gravar dois LPs individuais, em toda sua carreira de 40 anos de músico.
O sergipano (de Simão Dias) Pedro Silveira Neto (NETINHO) filho do mestre de banda Zeca Laranjeira. Mas não foi o pai que lhe ensinou música; NETINHO aprendeu por si só, menino de calças curtas ainda (tal como Pixinguinha trinta anos antes); já com doze anos, o jovem sergipano espantava toda sua cidadezinha: ele tocava – e muito bem – todas as peças do repertório das bandinhas interioranas. Está claro que o talento do rapaz levou-o ao centro cultural que catalisava todos os artistas da região: a cidade de Salvador, na Bahia. Aí NETINHO estreou profissionalmente, organizando uma orquestra de nome ainda hoje afamado na cidade: “Netinho e sua banda”, que se tornou legendária em toda a Bahia através de apresentações na Rádio Excelsior e no Cassino Tabariz, em Salvador.
Chegando ao Rio em 1955, Netinho foi logo contratado pelo Dancing Avenida, que, na época, pagava os mais altos salários a que qualquer músico carioca podia aspirar. E daí para as emissoras de rádio e para os estúdios de gravação foi um pulo.
A verdade é que toda a vida profissional de Netinho é exemplar em talento: ele atingiu a um tal estágio de virtuosismo e de técnica que é frequentemente chamado para executar peças eruditas, além de ser hoje o primeiro clarinetista da orquestra da Rede Globo de Televisão, onde trabalham alguns dos melhores músicos do Brasil.
Neste disco, Netinho exibe toda a sua categoria de solista de clarinete, sax alto, sax tenor e sax soprano. A sonoridade extraída de seus quatro instrumentos é de incrível beleza e maciez; beleza e maciez a que não deixam de comparecer sutis influências de músicos da estirpe de Luiz Americano, Artie Shaw e Benny Goodman.
O repertório, carinhosamente escolhido por Jorge santos (que comprova, com este trabalho, sua capacitação e competência) é também dos mais estimulantes: há um Pixinguinha (com letra recém colocada por Daniel Santos), dois K-chimbinho e ainda números individuais de festejados autores do choro como Jacob do Bandolim, Lina Pesce, Louro (com a famosa adaptação do tema “Urubu”, do folclore de Campos-RJ) e de seu ilustre co-estaduano Luiz Americano. Mas há também ótimos choros feitos por gente que é historicamente estranha ao gênero como Nelson Cavaquinho, Toquinho-Vinícius, Candeia e até Sivuca (com um choro delicioso em homenagem à Velha Guarda).
A discrição do próprio Netinho e do seu produtor Jorge Santos fê-los incluir como autores em apenas dois momentos: o “Chorinho da Tula” (dedicado à cadela pequinês do Netinho) e o “Discotecando” (uma lembrança das discotecas das emissoras de rádio, elemento essencial de divulgação para qualquer produtor de discos).
Em tempo: este disco deve estar saindo simultâneamente à realização, no Rio, do II Encontro de Pesquisadores de Música Popular Brasileira. Por isso, lembra o meu amigo Pedro Cruz, que seria oportuno dedicá-lo a todos os colecionadores de discos que estão participando do “Encontro”. Nada mais justo.
[Texto do encarte do LP "Chorinho, Cuíca e Tamborim" (1977)]
Ricardo Cravo Albin
Pesquisador musical